domingo, 12 de maio de 2013

Kafkiana primeira


Abriu os olhos.

Amia, Emia, Ame-a -  seja lá como você quiser chamá-la - dormiu por quarenta e duas horas seguidas; mexeu-se pouco durante o sono, bem pouco. Não usou aditivo algum... dormiu tanto porque não pôde acordar antes. Não por nenhum motivo em especial, mas sim porque não acordou, simplesmente não acordava. E não se dava conta disso. Nem precisava acho, mas ainda não sei.

Tinha por hábito visitar a janela assim que acordava, e também durante seu dia - que às vezes era bem de noite. Mantinha este hábito há quarenta e três anos. Indeciso, indeciso, mas nem é dilema. Ao visitar a janela, estendia a mão para fora, sentindo-a desfarelando-se e amenizando a sensação... qualquer sensação. Se pá era torpor, se pá só rumor.

- Sei que me alongarei mais do que devo  - disse em voz semialta.

Todas as vezes que ela desempenhava seu rôto ritual um pássaro azul pousava em sua mão. Há quarenta e quatro anos o mesmo pássaro pousava em sua mão, e ciscava em busca de migalhas, mesmo que não houvesse; ele sempre achava migalhas, incrivelmente. Sabão.




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